Era uma vez
um lobo que andava à caça. Ele andar, andava, mas a caça, fosse coelho,
javardo, texugo ou perdiz, é que não andava por ali, à mão de ser caçada.
Já o lobo se
impacientava, quando ouviu o piar de um mocho. Estava no ninho, empoleirado num
pinheiro novo.
O lobo
pôs-se a sacudir, furiosamente, o tronco do pinheirito, mas só lhe caíram duas
pinhas na cabeça.
Lá do alto,
o mocho gritou-lhe:
– Ó
compadre, não abane tanto o pinheiro, senão os meus filhos, que estão no ninho,
acordam.
– Quero lá
saber! – respondeu o lobo.
E continuou
a sacudir o pinheiro.
Voltou o
mocho:
– Ó
compadre, por favor, vá abanar outro pinheiro e deixe este em paz. É que os
meus filhos, com tanto abanão, ainda caem do ninho.
– Quero lá
saber!
Por acaso
até queria... Não queria ele outra coisa... E vá de sacudir mais o tronco do
pinheiro.
O mocho, de
asas a tremer, repontou:
– Se o
compadre continua a abanar o pinheiro, eu afino.
– Então
afina – disse o lobo, a rir-se.
– E vou aí
abaixo e dou-lhe uma desanda – ameaçou o mocho, a ganhar coragem.
– Então vem,
que eu também quero dizer-te umas coisas.
O mocho
saltou para um ramo, ainda a alguma distância do lobo.
– Chega-te
mais perto, que o que eu tenho para dizer-te os teus filhos não podem ouvir.
O mocho deu
um saltinho para um ramo mais abaixo.
– Ainda mais
perto – disse-lhe o lobo.
– Mais perto
não, que os meus filhos podem acordar e, não me vendo no ninho, assustam-se.
– Então
volto a abanar o pinheiro.
– Isso é que
não – e o mocho desceu mais.
Quando o
lobo o viu perto, abocanhou-o logo.
– Ai
compadre, que me magoa – queixou-se o mocho. – Se vai comer-me, deixe-me, ao
menos, despedir-me dos meus filhos, que ficam sem ninguém que tome conta deles.
O lobo, com
o mocho preso na dentuça, meneou a cabeça, negativamente.
– Ao menos
diga, para que eles oiçam: "mocho comi" – pediu o mocho.
O lobo, para
não abrir a boca, disse, muito baixinho:
– Mocho
comi.
– Ó
compadre, fale mais alto, senão eles, coitadinhos, não ouvem.
– Mocho comi
– disse o lobo, de dentes filados na presa.
– Nem se
percebe – insistiu o mocho.– Fale mais alto.
O lobo
desabotoou a boca, num grande berro:
– Mocho
comi.
Liberto dos
dentes, safou-se o mocho, a voar para o cimo do pinheiro, enquanto dizia:
– Mocho
comi? Outro que não a mim.
Pegou nos filhos um por um e foi pô-los a salvo, no alto de um pinheiro de maior porte. O lobo, de raiva, rilhou o tronco do pinheirinho e ficou com a boca a saber a resina.
António
Torrado
Ilustração
de Cristina Malaquias
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