segunda-feira, 20 de junho de 2022

Dia Mundial do Refugiado

                                                              http://www.everylittlebook.com.br/2018/10/resenha-querido-mundo-bana-alabed.html

" Queria viver na Síria para sempre

Eu queria viver na Síria para sempre, porque é uma terra especial. É um país muito, muito antigo, e a minha família vivia nele desde sempre. O avô Malek diz que é importante compreender de onde vimos, porque isso faz de nós quem somos. Diz que devíamos ter orgulho em ser sírios, porque os sírios são bondosos e honestos. Podemos deixar um milhão de libras na nossa casa e ninguém o roubará. Partilhamos sempre o que quer que tenhamos com os vizinhos e olhamos pelas nossas famílias, porque a família é a coisa mais importante para nós. Sabemos que devemos ser sempre generosos e leais e seguir os ensinamentos de Alá. Rezamos muito para que Deus nos ajude a sermos bons. 

Queremos uma vida simples. Isto é o que é importante para nós. Quando o avô era pequeno, vivia no campo. Quando cresceu, casou com a avó Samar, que era de Alepo, por isso mudaram-se para lá, embora o avô dissesse sempre que gostava mais do campo, porque é mais tranquilo e há ar puro. A mamã e todos os irmãos e todas as irmãs dela nasceram em Alepo. O baba e os irmãos e as irmãs dele também. E eu também nasci em Alepo, tal e qual como eles. Quando fosse grande, ia viver numa rua perto das minhas melhores amigas, a Yasmin e a Fatemah, e perto da mama e do baba, tal e qual como eles viviam perto da rua pais deles. A minha família e eu podíamos jantar sempre juntos e ir passear à Cidadela de Alepo e fazermo-nos rir uns aos outros. Todas as pessoas da minha família gostavam de rir, por isso seria fácil. Eu ia ser professora e ensinar inglês às crianças sírias. 

Esses eram os meus sonhos. [...]

«Não chores, Bon Bon, eu vejo-te em breve»

Ao princípio da manhã, as bombas voltaram. Todas as manhãs acordávamos com as bombas como se elas fossem pássaros a cantar. Corremos para a cave. Como a barriga da mamã estava muito grande com o bebé, ela não corria tão depressa e isso preocupava-me. Antes de chegarmos sequer à cave ouviu- se um grande estrondo. Havia vidros a partirem-se por toda a parte. Mas nem sequer parámos para ver onde era ou o que era - continuámos a correr lá para baixo. Mas a mamã sentia-se perturbada. Parecia muito cansada e pálida. Deitou-se com o baba no chão da cave e pôs-se a chorar. A mamã não costumava chorar, mas quando chorava eu também chorava, automaticamente, como se as nossas lágrimas fossem as mesmas.

A pior sensação do mundo é quando a mamã está perturbada. Pousei a cabeça na barriga dela e pus-me a ouvir o bebé a nadar lá dentro. Isso fez-me sentir mais calma.

Quando o bombardeamento parou, fomos para cima e vimos que as janelas da sala de estar se tinham partido outra vez. Todos ajudamos a recolher do chão os estilhaços dos vidros. Era a quinta vez que aquilo acontecia; como já não conseguíamos arranjar mais vidro, o baba pôs um pedaço de nylon a tapar as janelas.

A nana e o avô foram lá a casa mais tarde, nessa noite, para dizerem adeus. Mas afinal não ia ser uma despedida, porque a mamã e o baba tinham um plano novo. A mamã tinha decidido que, afinal, era demasiado perigoso ficar na Síria para ter o bebé. Por isso, ela e o Mohamed e eu íamos com a nana e o avô e a tia Nouran e o tio Hamze e a mãe do avô para a Turquia.

Eram boas notícias, porque assim não tinha de lhes dizer adeus. Mas também eram más notícias, porque o baba não vinha connosco. la ficar em Alepo para guardar a nossa casa e não deixar que viesse alguém tirar as nossas coisas por julgarem que nos tínhamos ido embora de vez. Ele acreditava que nós íamos regressar da Turquía em breve, porque a guerra ia melhorar. Entretanto, queria ficar e ajudar as pessoas."

Bana Alabed, Querido Mundo

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