quinta-feira, 26 de março de 2020

História do Dia: Uma questão de lápis




O telefone tocou. Era a minha irmã a dizer:
— Pensei que gostarias de saber que voltei a contar a tua história dos lápis.
A minha irmã é diretora da biblioteca audiovisual de uma escola básica. De vez em quando, conta aos alunos que visitam a biblioteca um episódio que se passou comigo em criança.
Há cerca de 40 anos, estava eu sentada na minha sala de aula quando alguém, através do altifalante da sala, me chamou ao gabinete do diretor. O gabinete do DIRETOR! Enquanto me dirigia para lá, a minha curta vida de seis anos desenrolou-se qual filme diante dos meus olhos. O que teria eu feito?
Era uma criança tímida e evitava dar nas vistas. Não gostava nada que reparassem em mim ou que me destacassem do grupo. Para mim, ser chamada ao gabinete do diretor era o meu pior pesadelo tornado realidade. Quando lá cheguei, a secretária dele disse:
— Diane, o diretor ainda não pode receber-te. Senta-te uns minutos, por favor.
Sentei-me num sofá de couro e afundei-me o mais que pude. Até rezei para que as almofadas me engolissem.
Pouco depois, o intercomunicador emitiu um ruído e a secretária sorriu:
— Podes entrar agora.
Empurrei a pesada porta de carvalho. A situação ainda era pior do que eu imaginava porque os meus pais estavam sentados diante da secretária do diretor. Só anos mais tarde é que soube porque tinham sido chamados.
O meu pai dirigiu-se a mim com uma resma de desenhos meus.
— Por que razão usas apenas lápis preto para desenhar? — perguntou.
Fiquei sem palavras e encolhi os ombros.
— Mostra-me a tua secretária — pediu o meu pai.
Regressámos à sala de aula. Como era intervalo, todos os meus colegas estavam no recreio. Apontei, nervosa, para a minha secretária. O meu pai pegou na minha caixa de lápis e esvaziou o conteúdo na mão. Só lá havia um cotinho de lápis preto. Admirado, o meu pai perguntou:
— Onde está o resto dos teus lápis?
Expliquei-lhe que os tinha passado aos meus colegas. Emprestado, tal como os meus pais me haviam ensinado.
O meu pai suspirou de alívio:
— Emprestaste-os.
Assenti com a cabeça. Olhei para o meu pai e para o diretor. Ambos tinham a cara vermelha. O diretor murmurou qualquer coisa sobre eu ir para o recreio brincar. Acenei aos meus pais e lá fui. A minha mãe retribuiu o meu gesto, mas o meu pai estava demasiado concentrado a olhar para o diretor. Anos mais tarde soube que a vermelhidão do rosto do meu pai se devia à irritação  e que a vermelhidão do rosto do diretor se devia ao embaraço. Tendo visto os meus desenhos todos pintados a preto, o diretor assumira que eu tinha problemas emocionais graves. A minha escolha de cor dever-se-ia a uma “natureza sombria e deprimida.” Assim, chamara os meus pais para discutir o meu “problema” e sugerir-lhes que eu tivesse algum tipo de acompanhamento psicológico.
Eu tivera demasiado medo para admitir que só tinha um lápis e era demasiado tímida para pedir os outros de volta. As outras pessoas assumiram o pior, porque eu não tinha feito valer os meus direitos.
Nessa mesma noite, o meu pai falou comigo acerca da diferença entre emprestar e dar. Ofereceu-me uma caixa nova de lápis e disse:
— Estes lápis são teus. Não quero que os dês, compreendes?
Agarrei bem a caixa e respondi:
— Sim, papá.
A minha irmã ainda usa esta história para alertar os alunos para não terem medo de fazer perguntas, para não terem medo de verbalizar o que pensam e sentem. Caso contrário, as pessoas podem tirar as conclusões erradas e ocorrer-lhes o que ocorreu com a irmã dela quando tinha a idade deles. E tudo por causa de um lápis de cor preta…
Diane M. Miller
(Tradução e adaptação)

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