quarta-feira, 18 de março de 2020

Uma História por Dia: Um Peixe de Ouro



Era uma vez um pescador que vivia com a mulher numa velha cabana à beira-mar. Todos os dias partia no seu barco, feliz por reencontrar as ondas coroadas de espuma, por sentir o sol acariciar-lhe a face e o vento soprar-lhe docemente nos cabelos. Por vezes, maravilhado com um pôr-do-sol, quedava-se, extasiado pela beleza do mundo, e esquecia-se até de lançar as redes.
Numa manhã em que o mar estava particularmente calmo, lançou as redes à água límpida, dando graças ao céu por tão belo dia. Teve muita dificuldade em puxá-las. Puxou com todas as suas forças, pensando que apanhara vários peixes grandes. Mas, no meio das redes, havia um único peixe de escamas douradas. Ficou muito surpreendido quando o peixe lhe falou com voz humana:
— Peço-te, pequeno pescador, deixa-me voltar para o mar. Dá-me a minha liberdade e dar-te-ei o que quiseres.
O pescador pegou nele delicadamente e pô-lo de novo na água.
De volta a casa, contou a sua aventura à mulher, que ficou muito zangada:
— Ao menos, podias ter-lhe pedido pão! Há muitos dias que não temos pão. Volta lá e pede-lhe pão bem fresco.
O pescador voltou ao lugar onde tinha largado o peixe. Uma brisa suave soprava no mar e as pequenas ondas salpicavam docemente o casco do barco.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe apareceu e perguntou:
— O que me quer ela?
— Acha que eu deveria ter-te feito um pedido quando estavas preso na minha rede. Queria que nos desses pão.
— Volta para casa — respondeu-lhe o peixe. — Ela já tem o que queria.
Ao chegar a casa, o pescador encontrou a mulher ocupada a empilhar formas de pão e sacos de farinha a um canto da cabana.
— Estás a ver como fiz bem em mandar-te lá? — perguntou ao marido.
Passado um mês, porém, a mulher do pescador começou a queixar-se.
— Devias ter-lhe pedido uma casa. Olha para esta cabana miserável, quase não se aguenta de pé! Na verdade, o que nos faz falta é uma boa casa. Vai ter com o peixe de ouro e pede-lhe uma.
O pescador voltou, contrafeito, ao lugar onde tinha largado o peixe. O sol desaparecera por detrás das nuvens e o vento tinha-se levantado, fazendo oscilar o barco.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe tirou a cabeça da água e perguntou-lhe:
— E o que quer ela agora?
— Quer uma casa. A nossa cabana está muito velha.
— Volta para casa. Ela já tem o que desejava.
Ao chegar a casa, o pescador encontrou a mulher com um vestido novo, na soleira de uma grande casa de pedra. Atrás de um belo pomar, viu igualmente uma capoeira e um estábulo.
— Vês — disse-lhe a mulher — fiz bem em mandar-te lá.
Mas, duas semanas depois, a mulher do pescador voltou a queixar-se:
— Esta casa é demasiado pequena. Precisamos mas é de um castelo. Vai de novo ter com o teu peixe e diz-lhe que quero morar num castelo.
Tanto o atormentou, que o pescador voltou ao mesmo lugar. O vento soprava agora em fortes rajadas e grandes ondas abanavam o barco por todos os lados.
Contrafeito, o pescador chamou o peixe de ouro:
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe tirou a cabeça da água e perguntou-lhe:
— O que quer ela desta vez?
— Quer um castelo. Acha a casa pequena demais.
— Volta para casa — respondeu o peixe. — Ela já tem o que queria.
Ao chegar a casa, o pescador viu a mulher magnificamente vestida, no pátio de um grande castelo, que estava rodeado por um belo parque. Dezenas de criados atarefavam-se por todo o lado.
— Vês como fiz bem em mandar-te lá?
Mas, no final da semana, a mulher acordou-o uma manhã com um forte abanão:
— Temos de ser os soberanos deste país. Corre e pede ao peixe que nos faça rei e rainha.
— Mas eu não quero ser rei — disse-lhe o pescador.
— Mas eu quero ser rainha. Vai depressa dizer-lhe que quero governar o país.
Triste e com o coração pesado, o pescador voltou à margem. Relâmpagos flamejantes percorriam o céu escuro e ondas ameaçadoras por pouco não viraram o barco.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe tirou a cabeça da água e perguntou-lhe:
— O que mais quer ela?
— Quer ser rainha. Quer que todos a sirvam.
— Volta para casa — disse-lhe o peixe. — Ela já tem o que exigiu.
Ao chegar a casa, o pescador viu um palácio esplêndido, guardado por inúmeros soldados. A mulher encontrava-se no interior, sentada num trono enorme. Tinha na cabeça uma pesada coroa de ouro, incrustada de diamantes, e trazia um vestido sumptuoso, semeado de finas pérolas.
— Vês como fiz bem em mandar-te lá? — perguntou ao vê-lo.
Mas, nessa noite, na grande cama coberta de peles, a mulher do pescador não conseguia dormir. Perguntava-se o que mais poderia obter do peixe. E quando a alvorada iluminou o céu, pôs-se a gritar de cólera:
— Como é possível? Quando quero dormir é que o sol se levanta, e sem a minha autorização. Vai depressa ter com o peixe e diz-lhe que desejo que os astros me obedeçam.
E ordenou aos guardas que o pescador fosse posto fora de portas. Pesaroso, o pescador voltou ao mar.
Uma tempestade enorme desabara sobre o oceano. As ondas rebentavam em cima do barco do pescador, que não o conseguia controlar. Várias vezes chamou o peixe com todas as suas forças, enquanto a violência do vento lhe abafava a voz:
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe tirou, por fim, a cabeça da água e perguntou:
— Mas o que mais pode ela ainda querer?
— Quer reinar sobre o universo inteiro.
— A tua mulher nunca se sentirá satisfeita. Adeus, caro pescador, nunca mais voltaremos a ver-nos.
Ao chegar a casa, o pescador viu que o palácio tinha desaparecido e que, no seu lugar, se encontrava de novo a cabana decrépita. A mulher choramingava, envergando o seu velho vestido remendado.
— Não chores — disse o pescador. — Não eras mais feliz quando eras rainha. A maior felicidade consiste em estar-se contente com o que se tem.
E partiu, feliz, para pescar o alimento de todos os dias no mar límpido e tranquilo.

Johanna M. Coles; Lydia M. Ross, L’Alphabet de la Sagesse, Paris, Albin Michel Jeunesse, 1999

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