Era uma vez quatro irmãos, quatro irmãos diferentes como são as horas do dia. Eram três irmãos e uma irmã.
O primeiro era forte e loiro como um rei antigo. Tinha um olhar luminoso e fiel que só de olhar aquecia o coração. Na sua mão direita, estendida, parecia segurar uma estranha varinha – um raio de sol.
O segundo irmão vinha vestido de castanho dourado. Com um fato de folhas douradas pela luz. E na sua mão direita, estendida, trazia um fruto maduro da cor do ouro velho quando lhe dá o Sol.
E o terceiro irmão era velho e triste. Os cabelos brancos tombavam-lhe pela pele de carneiro que lhe cobria o corpo enregelado.
Na sua mão direita, estendida, não trazia nada, nada. E a mão tremia de frio. Ou talvez a mão vazia, estremecendo, escondesse um maravilhoso segredo.
E, por fim, ela, a menina, de cabelos lisos dourados e olhos verdes da cor das ervas tenras dos campos, cantava, segurando na mão direita uma estranha e bela flor.
E os quatro irmãos, vindos pelos caminhos livres da terra, chegaram a uma montanha, a uma alta montanha perto do Sol.
Mas quem são estes quatro irmãos tão diferentes? Ides sabê-lo vós mesmos, Amigos.
Vieram estes quatro irmãos, uns atrás dos outros, devagarinho.
E, no azul do Céu, o Sol pareceu parar, perguntando assim: – Por aqui? Todos ao mesmo tempo? E o Sol pareceu parar, fitando mais a menina:
— Tu, e os teus irmãos?
E redondo e parado, todo estremeceu parecendo zangar-se:
— Por aqui? Por aqui? Todos ao mesmo tempo?
Então a menina falou:
— Hoje, Sol nosso Amigo, saímos de nossa casa, que não tem paredes, nem telhado, nem janelas, e viemos aqui à montanha pelos caminhos livres da terra, falando com quem encontramos.
E acrescentou como se se desculpasse:
— Nós nunca andamos juntos, mas hoje…
O Sol estremeceu ainda:
— Mas o que será feito de vossa Mãe sem que um de vós lhe assista? Três de vós têm de ficar em casa…
O irmão mais velho, o da mão estendida que parecia vazia, respondeu:
— A Nossa Mãe-Terra continua a viver. É por pouco tempo que nós andamos assim… Não vês, Sol? Ora escuta… Vê… Voam e cantam os pássaros, correm os rios, vão e vêm as ondas do
mar… Os homens trabalham, apitam as fábricas, revolvem-se os campos, vão as crianças para as escolas…
O Sol, apesar de tudo, inquietou-se:
— Vejo! Oiço! Mas vocês, vocês os quatro por aqui ao mesmo tempo! Não é costume. Não é bom nem prudente.
Os quatro irmãos olharam-se. Queriam explicar por que estavam todos ali, vindos da casa sem paredes, sem janelas. Aquela casa onde habitavam os quatro irmãos, estando um sempre na rua, correndo os caminhos livres da Terra.
Então, o irmão loiro, que parecia um rei antigo e trazia um raio de Sol na mão, resolveu falar:
— Nossa Mãe mandou-nos os quatro pelos caminhos livres da terra, os quatro ao mesmo tempo, para que disséssemos, aos homens que encontrarmos, que somos amigos. Embora diferentes, somos amigos, sabemos trabalhar para que os homens sejam felizes, tenham pão, flores, alegria…
Foi nossa Mãe quem nos mandou…
Os outros três irmãos sorriram, sorriram os três e continuaram de mão direita estendida, estendida, sorrindo. Até o de cabelos brancos, vestido de pele de carneiro, parecia jovem, sorrindo.
E o Sol, docemente, com um calor todo suave perguntou:
— Vossa Mãe? Como ela me lembra sempre! Ela que pensa em tudo e em todos! Está muito velha a vossa Mãe?
Foi a vez de falar o irmão vestido de folhas doiradas, que trazia um fruto maduro na mão direita, estendida:
— Nossa Mãe tem a idade da vida, da própria vida. Ama-nos a nós os quatro. E ama tudo e todos. Como pode envelhecer quem ama assim?
E o Sol pensou alto, então:
— Como tendes razão! Como pode envelhecer quem ama assim!
E sorrindo, isto é, brilhando mais, falou para os quatro irmãos:
— Continuai o vosso caminho pelos caminhos livres da terra. Mas não esqueçais que tendes de voltar para a vossa casa que não tem parede, nem telhado, nem uma janela. O que será da terra sem que um dos quatro irmãos lhe assista!
E os quatro irmãos apressaram-se a dizer:
— Tendes razão, Sol. Nós vamos.
E disseram adeus ao Sol e começaram a caminhar. E foram em direcção ao mar.
Chegaram junto a uma praia e viram consertando as redes um velho pescador de barbas grisalhas, moreno pelos ventos do mar, pela luz do Sol.
E o pescador, pressentindo-lhes os passos na areia dourada, ficou-se pensativo com a agulha no ar e perguntou por fim:
— Quem sois?
Os quatro irmãos sorriram e outra vez o mais velho respondeu:
— Tu conheces-nos. O ano inteiro nos conheces aqui nesta praia. Três meses por ano um de nós vem visitar-te. Acompanha-nos o Sol e o Vento, o Frio e a Chuva, a Bonança e a Tempestade. Olha bem para nós!
Então o velho pescador franziu os olhos já cansados de olharem tantos anos, e sorriu. E falou devagar:
— Como vos conheço! Sei quando vem cada um de vós, cada irmão por sua vez. Basta-me olhar o brilho das estrelas, o correr das nuvens, o bater do mar. Sei quando chega cada um de vós, deixando os outros irmãos em casa. Mas hoje, hoje vieram todos ao mesmo tempo…
Os quatro irmãos sorriram. E falou a irmã:
— Nossa Mãe mandou-nos os quatro pelos caminhos livres da Terra para que disséssemos aos homens que somos amigos, embora tão diferentes. Nós quatro, tu bem o sabes enquanto olhas o mar, como somos amigos. Como sabemos trabalhar para que os homens sejam felizes, tenham pão, flores, alegria.
E os outros irmãos sorriram e continuaram com a mão direita estendida, sorrindo. Até o de cabelos brancos, vestido de pele de carneiro, parecia jovem, sorrindo feliz.
O pescador fixou este com mais força no olhar cansado, e observou-lhe:
— Tu, às vezes, fazes revolver o Mar, mais do que os teus irmãos agitar a Terra, e nós, pescadores, somos tragados pelas ondas frias.
O irmão mais velho pareceu agora mais velho, mas sereno respondeu:
— É assim a lei da vida que me manda experimentar os homens, a sua coragem. Mas o engenho do homem é imenso, a sua coragem, sem fim.
O pescador sorriu, continuou a consertar a sua rede e pensou alto:
— As praias batidas pelo mar tornam-se mais belas. A agitação das águas é a vida de milhões de peixes que enchem as nossas redes.
E a coragem do homem é sem fim, tendes razão…
E sorria, continuava sorrindo, os olhos, a boca, todo o rosto com suas rugas sorrindo, as próprias mãos parecendo sorrir também, trabalhando muito depressa…
E os quatro Irmãos, três irmãos e uma irmã, caminharam de novo pela areia dourada aquecida pelo Sol.
E pararam junto de uma árvore onde se abrigava uma doce mulher embalando um filho pequenino que adormecia nos seus braços.
E a doce mulher cantava:
Quem tem filhinhos pequenos
Tem por força de lhes cantar
Quantas vezes uma mãe canta
Com vontade de chorar…
E a mulher, a doce mulher, suspendeu o seu canto e o seu embalo, e perguntou aos quatro irmãos:
– Quem sois vós?
E os quatro irmãos sorriram. E respondeu o que se vestia de dourado e trazia um fruto cor de ouro velho na sua mão:
— Tu conheces-nos. Sabes quando nós chegamos pelo canto dos pássaros, canto mais contente quando eles fazem o ninho na árvore que te dá sombra.
E continuou:
— Nossa Mãe mandou-nos pelos caminhos livres da Terra para que disséssemos aos homens que somos amigos, embora tão diferentes. Nós quatro, tu bem o sabes enquanto olhas os campos e o céu embalando o teu menino, como somos amigos. Como sabemos trabalhar para que os homens sejam felizes, tenham pão, flores, alegria.
Então a doce mulher sorriu, sorriu e falou:
— Como vos conheço! Sei quando vem cada um de vós pelo canto e pelo voo dos pássaros… Quando eles fazem os ninhos nesta árvore que me dá sombra, quando as flores nascem para me sorrirem por toda a casa, quando posso trincar um fruto como esse que tens na mão, tu irmão das folhas douradas… Mas hoje, hoje, viestes todos ao mesmo tempo… e não vos reconhecia.
E os quatro irmãos sorriram. E a irmã falou. Falou de mão estendida, com uma bela e estranha flor na sua mão:
— Foi nossa Mãe quem nos mandou…
E os quatro irmãos sorriam, os quatro com o braço direito estendido. Até o vestido de pele de carneiro parecia jovem, sorrindo feliz. Então a mulher perguntou:
— E como está a vossa Mãe, na vossa casa que não tem paredes, nem telhado, nem janelas? Muito velha, não?
Respondeu o irmão loiro que trazia um raio de Sol na mão estendida:
— Nossa Mãe tem a idade da vida, da própria vida. Ama-nos a todos. Ama tudo e todos. Cuida de nós todos. De ti, também, e do teu menino que embalas tão docemente. Como pode envelhecer quem ama assim?
A mulher sorriu, entendendo, sorriu, e depois disse como se pensasse alto:
— Vocês vieram os quatro ao mesmo tempo pelos caminhos livres da Terra, da vossa casa sem telhado, sem porta e sem janelas, para que o Mundo seja contente, para que todas as mães cantem sem vontade de chorar…
E ficou-se a sorrir como se dissesse adeus, com uma lágrima sobre o rosto cansado.
Então os quatro irmãos resolveram voltar a casa.
Já a Lua no Céu lhes sorria como uma candeia de prata. Alumiava-lhes de mansinho, rodeada de estrelas, o caminho da casa, a casa sem telhado, sem portas e janelas, onde a Mãe os esperava com os dois braços estendidos, sorrindo, parecendo estar muito longe e muito perto.
E a Mãe, esperando-os, murmurava sorrindo com uma voz cheia de amor:
— Meus filhos!
E abraçou-os um a um, devagarinho, com muito amor, lágrimas de felicidade fugindo-lhe pelo rosto enrugado e feliz.
E os quatro Irmãos entraram sorrindo, com o Sol, a Chuva, o Vento no coração.
E contaram à Mãe, à sua velha Mãe, o que haviam visto, os quatro ao mesmo tempo, nos caminhos livres da Terra…
Deixai-os contar, um deles depressa terá que sair por três meses do Ano – terá de deixar a casa sem porta, sem janelas, sem telhados.
E se eu vos não digo os nomes destes quatro irmãos , três irmãos e uma irmã, é porque vos quero dar a alegria de os descobrirdes sozinhos, assim como quem descobre quatro segredos que têm um nome só, igual ao de sua Mãe.
Matilde Rosa Araújo
Os Quatro Irmãos
Lisboa, Livros Horizonte, 1983
Texto adaptado