quarta-feira, 8 de abril de 2020

História do dia: A carpa



Embora fosse um camponês trabalhador, a colheita foi muito pobre naquele ano devido à ausência das chuvas, a ponto de mal ter para alimentar a mulher e os filhos. Em situação desesperada, não teve outro remédio senão recorrer a um abastado nobre para lhe suplicar:
— Senhor, fie-me alguns grãos para não morrermos à fome.
— Está bem — respondeu o poderoso. — Vou dar-te bem mais do que aquilo que me pedes: vou emprestar-te várias moedas de ouro, mas terás de esperar uns meses até que faça a coleta dos impostos, está bem?
— Quero contar-lhe uma coisa, senhor — disse o camponês. — Quando vinha para lhe suplicar ajuda, ouvi uma voz angustiada que pedia socorro. Ao acudir ao chamamento, vi que se tratava de uma carpa que se encontrava numa terrível situação. Estava caída no meio do poeirento caminho, sob um sol abrasador e dizia:
— Sou do rio e estou a morrer neste pó. Por favor, não tens um balde de água onde eu possa mergulhar?
Respondi-lhe:
— Está bem, está bem. Vou fazer mais do que isso: vou trazer-te uma bacia muito grande, mas terás de esperar até que vá para Sul e traga água do rio que lá existe, está bem?
Então a carpa, à beira da morte, disse-me:
— Fazes promessas, mas não me facultas a única coisa que pode salvar-me a vida: um balde de água. Quando trouxeres a bacia, já terei morrido.
Muitas vezes não só não somos generosos como pretendemos justificar a nossa ausência de generosidade servindo-nos de pretextos ou de falsas justificações. A avareza torna-nos insensíveis, endurece-nos o coração e faz-nos viver de costas voltadas para as necessidades alheias, esquecendo-nos de ser solidários.
O antídoto para a avareza é a generosidade, uma das qualidades mais belas do ser humano, que é preciso aprender a cultivar. É também fruto da compaixão e de uma perceção correta das coisas. A compaixão consiste em compreendermos o sofrimento alheio, mas, também, em usarmos os meios que temos ao nosso alcance para o prevenir ou minorar.
Ramiro Calle
Os melhores contos espirituais do Oriente
Esfera dos Livros, Lisboa, 2010

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por favor, comenta com ponderação. Obrigada!