Os bons escritores são aqueles que conseguem colocar os leitores na pele do outro. Creio ser essa a maior virtude da leitura. Ao entrar na pele de diferentes narradores, ao sentir-se parte de outras vidas, o leitor vai-se percebendo também parte da restante Humanidade. Tenho para mim, e atrevo-me a partilhar com vocês esta convicção — ingenuidade, dirão os cínicos —, que os grandes leitores tendem a ser menos inclinados à violência. Primeiro, porque a violência é sempre um recuo do pensamento. Depois, porque a leitura, enquanto exercício de alteridade, aproxima as pessoas.
Venho de um país que sofreu uma
das mais longas e cruéis guerras civis do nosso tempo. Os fazedores de guerras
civis sabem que, para triunfarem, têm de começar por desnacionalizar o inimigo.
A seguir, passam a questionar a sua humanidade. Primeiro, o inimigo é um
estrangeiro, depois um monstro. Um monstro, ainda para mais estrangeiro, pode
ser morto. Deve ser morto.
A boa literatura trabalha em
sentido contrário. Dá-nos a ver a humanidade dos outros, inclusive dos que nos
são estrangeiros. Inclusive dos monstros.
José Eduardo Agualusa
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