Como é que uma flor e um sino
podem caber na mesma história?
Há de ser difícil. A flor tão
rasteira e o sino tão alto nada têm a ver um com o outro. Hão de pertencer a
histórias diferentes.
Talvez sim e talvez não…
A flor tinha
acordado, na ponta de um caule, quando o sino se pôs a badalar. Abriu-se de
espanto, porque nunca tinha ouvido música assim: tlim-dlão-dlim…
Mas tudo tem uma lógica, um
começo, um antes do que está para vir. Nós contamos.
A erva donde a flor nascera
tinha rompido a terra como um dedo espetado, que quer chamar a atenção:
— Perguntem-me porque nasci —
gritava a erva, numa vozinha de erva-fina.
Ninguém lhe perguntava.
E ela, impaciente, sempre na
sua:
— Perguntem-me porque nasci.
Perguntem-me.
Estávamos bem servidos, se
tivéssemos de dar conversa a todas as ervas do caminho…
— Então, não querem saber?
Perguntem-me — teimava a erva.
Fartos de ouvi-la,
debruçámo-nos, enfim, para a ervinha.
Logo ela, muito direita, na sua
importância de erva fresca, nos disse:
— Nasci, sabem porquê? Nasci
para dar uma flor.
Olha a admiração! Nisto o sino,
tlim-dlão-dlim, tlim-dlão-dlim, e apareceu a flor.
— Quem me chama? Quem me chama?
— perguntou a flor, que nasceu a falar.
O sino anunciava um casamento.
Era o José mais a Maria que iam casar.
O noivo, antes de entrar na
igreja, colheu, à beira da estrada, uma flor com que enfeitou a lapela. Logo
por coincidência, a flor que tinha acabado de nascer.
Aí têm como um sino e uma flor
podem caber na mesma história. Mas não acaba aqui.
Passado tempo, a flor
desprendeu-se da lapela. Já tinha dado um ar da sua graça. Secou, desfez-se,
juntou-se à terra. É sempre assim.
Na primavera seguinte, mais
coisa menos coisa, o sino outra vez a badalar: tlim-dlão-dlim, tlim-dlão-dlim.
Desta vez, era um batizado, o do menino José Maria, filho de Maria e do José.
Depois, houve boda. No centro
da mesa, um grande ramo de flores campestres, iguais à que viveu nesta história.
Tudo se multiplica. Pelos
tempos fora, o sino vai voltar a bater e as flores a crescer. É uma história
que não acaba.
António
Torrado
Sem comentários:
Enviar um comentário
Por favor, comenta com ponderação. Obrigada!